SABOR DE MABOQUE - NDAPANDULA MAMA ÁFRICA

SABOR DE MABOQUE - NDAPANDULA MAMA ÁFRICA

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Meu avô diria: cabecinha pensadora!

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Redação vencedora do Concurso Interno, promovido pelo Professor Titular da Cadeira de Gramática Portuguesa, redigida por uma aluna do curso de Letras da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco-Recife):


"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.
Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida.
E o artigo era bem definido,feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.
Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele:
um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir.
E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.
O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador para, só com os dois lá dentro:ótimo, pensou o substantivo,
mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois,
já estavam bem entre parênteses,quando o elevador recomeça a se movimentar:
só que em vez de descer, sobe e para justamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.
Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica,
bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.
Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo,
todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.
Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente:
se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo
e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.
É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente
oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.
Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos,
ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise,
e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.
Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular,
ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono,
sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício.
Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois,
que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.
Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica,
o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.
Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício.
O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal.
Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto.
Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito
apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo
ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois.
Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal,
penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa,
pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história:
agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema,
cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino
colocado em conjunção coordenativa conclusiva."

(Recebido por email)
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11 comentários:

  1. Uma pequena lição de gramática que me fez os olhos brilharem de alegria!
    Não podia ter gostado mais.

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  2. Dulce, adorei!!Quero ver o comentário que o Espumante vai fazer a respeito!!!rsrsrsrs
    Bjs!!!!!!!

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  3. Dulce, perante tal erudição a única coisa que me ocorre, sobretudo pelas expectativas criadas pela tua leitora Antónia, é introduzir um trava-línguas, tipo

    Esta burra torta trota,
    Trota, trota, a burra torta.
    Trinca a murta, a murta brota,
    Brota a murta ao pé da porta.


    embora o exemplo que dou não rime com o contexto. Mas sempre é uma forma de eventualmente provocar um diagrama consonântico ao substantivo masculino, mesmo correndo o perigo do artigo feminino se esvair num prolongado ditongo nasal.
    Resumindo, o melhor é não andar de elevador, mesmo. Usar as escadas. Mesmo assim, nunca se sabe do que a sintaxe é capaz. Basta uma fonética apelativa para fazer crescer a morfologia e acabar tudo numa inesperada sintaxe num qualquer degrau da escadaria, bem antes de se atingir o cimo...
    :) *

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  4. Antonia,
    já leu o comentário do Espumante? Gostou? :)
    Beijos

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  5. Espumante,
    não podia ser mais a contento tua resposta. Parabéns!
    Mas o que mais esperar de um cavalheiro que lê até retalhos com atenção e admiração? :)))*

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  6. Se todo o retalho eu lesse
    Sem esperar algum remoque,
    Certeza logo eu tivesse
    Não ser o Sabor de Maboque...


    Mais retalho menos remoque, long live o SM

    :)*

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  7. Sumiu o comentàrio que eu tinha feito por isso sò deixo o resumo:
    Dulce, certamente estavas à espera de mais produção poética por parte dos teus fiéis seguidores e não estivemos à altura.
    Mas eu tenho uma resposta, é que para podermos competir e fazer jus a tão exìmia obra, sò com um estimulante de inspiração do tipo sumo de Maboque quente e como não hà, nada feito, porque o frio tolhe os neurònios...

    Sofia

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  8. Exercicio idêntico, mas desta feita para os amantes da MATEMÁTICA!

    Desconheço o autor, mas também merece uma vénia.

    Um Quociente apaixonou-se um dia
    Doidamente
    Por uma Incógnita.
    Olhou-a com seu olhar inumerável, e viu-a, do Ápice à Base...
    Uma Figura Ímpar, olhos rombóides, boca trapezóide,
    corpo ortogonal, seios esferóides.
    Fez da sua uma vida Paralela à dela.
    Até que se encontraram no Infinito.
    "Quem és tu?" indagou ele com ânsia radical.
    "Sou a soma do quadrado dos catetos.
    Mas pode chamar-me Hipotenusa."
    E de falarem, descobriram que eram
    o que, em Aritmética, corresponde a almas irmãs, primos-entre-si.
    E assim se amaram, ao quadrado da velocidade da luz.
    Numa sexta potenciação,
    Traçando, ao sabor do momento, e da paixão,
    Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.
    Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
    E os exegetas do Universo Finito.
    Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
    E, enfim, resolveram casar-se, constituir um lar.
    Mais que um lar, uma Perpendicular.
    Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissectriz.
    E fizeram Planos, Equações e Diagramas para o futuro
    Sonhando com uma felicidade integral e diferencial.
    E casaram-se e tiveram uma Secante e três Cones muito engraçadinhos.
    E foram felizes ...
    Até àquele dia, em que tudo, afinal, se torna monotonia.
    Foi então que surgiu o Máximo Divisor Comum...
    Frequentador de Círculos Concêntricos.
    Viciosos.
    Ofereceu-lhe, a ela, uma Grandeza Absoluta,
    E reduziu-a a um Denominador Comum.
    Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um Todo, uma Unidade.
    Era o Triângulo, chamado amoroso.
    E desse problema ela era a Fracção mais ordinária.
    Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade.
    E tudo que era espúrio passou a ser Moralidade,
    Como aliás em qualquer Sociedade.

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  9. Pensei que hoje este "retalho" tivesse mais visitas por ser Dia de S. Valentim. Qual quê...
    Resumindo e concluindo com Alexandre O'Neil:

    "O Amor é o Amor, e depois?"

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  10. AMEI...Sofia,
    certamente mais uma genial cabecinha pensadora!
    Visitas houve e muitas pelo que vi na página de estatisticas do blogue, mas pelo jeito também há muita timidez.
    ...e depois esperemos que seja também Amor!
    Beijão

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